sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O que é ser escritor?

Em uma semana, participei de vários eventos literários em três cidades: Jundiaí, Pindamonhangaba e Maringá...



        Participando da Festa Literária de Maringá, minha primeira palestra foi sobre “O processo criativo”. Foi um assunto leve, assim como é o ato da criação literária. No dia seguinte, falei sobre a “Produção literária”. Foi então que o assunto se tornou denso. Afinal, comparei o ato da criação literária ao amor, ao êxtase. E o que seria a produção literária? Seria o parto e suas dores, seria carregar um filho pelo mundo até que ele fosse capaz de caminhar por si só. Portanto, seria fácil escrever, difícil seria dar vida ao texto em uma publicação.
          Tomei por base a minha experiência pessoal, as dificuldades da primeira edição, as frustrações de tentar vender os meus primeiros livros. Por muitas vezes, sentimos vergonha de vender aquilo que produzimos. Por outras, achamos até incorreto, afinal, quem vende um filho? Falo isso no caso da autopublicação, que nada mais é do que pagar para ser publicado. Aí, falei do peso do sonho.
          Para a minha palestra em Pindamonhangaba, saí de casa às quatro da manhã, carregando 200 livros. O carrinho com os exemplares quebrou já no atravessar da primeira avenida, antes de tomar o meu primeiro de três ônibus urbanos e dois intermunicipais, em uma viagem de cinco horas. Eis o peso do sonho: carregar o peso de 200 livros como se carrega um bebê.




          Quando falei sobre isso, queria que as pessoas tivessem a consciência de que não é fácil realizar um sonho. Que é preciso esforço. Em meu último evento na FLIM, uma mesa literária com o grande escritor Roberto Torero, uma fila se formou ao final, com leitores esperando por um autógrafo dele. É essa a imagem que muitos sonhadores têm de um escritor. Mas não é sempre assim. A realidade da maioria dos escritores é uma mesa repleta de livros, mas quase ninguém para comprá-los. Em meu primeiro evento de lançamento, vendi 108 livros e fiquei exultante. Sucesso! Só depois é que percebi que destes 108 livros, apenas um havia sido vendido a uma pessoa que eu não conhecia. Cento e sete livros foram vendidos para familiares e amigos. Por outro lado, ao realizar o lançamento do mesmo livro em uma cidade na qual não tinha família ou amigos, vendi apenas dois exemplares. E os dois foram vendidos a um amigo que, por acaso, estava lá.
          Expus em minha palestra que se alguém tinha o sonho de ser escritor, que ele deveria estar preparado para suar, para carregar livros, para não se abater com o fracasso de vendas inicial, para não ter vergonha de vender o seu livro. De acreditar nele. Critiquei as antologias cooperativadas de concursos literários que premiam o autor com o direito de pagar algumas centenas de reais para ter uma ou duas páginas no livro. Acabei sendo duro com autores que pagam para serem publicados, assim como eu havia feito no passado.
          Foi então que, ao final da palestra, a escritora Jeanette De Cnop me fez uma pergunta que me fez refletir: “Mas será que você não está levando muito a ferro e fogo?”...
          Sim, eu estava. Ela disse que um escritor pode escrever e trabalhar com outra coisa também. Eu estava até sendo arrogante, pois mesmo inconscientemente, eu me incluía no grupo que vê a vida de um escritor apenas como a de alguém como o Torero, vencedor do Jabuti. Então, escritor seria apenas aquele que vive do que recebe com sua escrita? Será que ser escritor é isso? A opção de viver exclusivamente da minha escrita era minha, e com ela, todas as privações ligadas a esta escolha, como viver frugalmente, pois os ganhos são escassos.



          Durante a FLIM, vi escritores maravilhosos, que batalhavam a venda de seus livros. Quando comprei um livro da escritora Eliana Jimenez, ela não queria pegar o meu dinheiro. E só se sentiu melhor quando comprou um livro meu. E assim comprei livros das escritoras Marilza Conceição e Adriana Zanetta, que compraram os meus também. Comprei algumas coletâneas da Academia de Letras de Maringá, e a Sumiko, esposa do acadêmico Jaime Vieira estendeu o dinheiro para que eu não tirasse um centavo do meu bolso! Aí, dei um livro meu de presente a ela. Depois, a coisa foi para o escambo mesmo, e troquei livros com os escritores Benevides Garcia, Carlos Brunno e a família Rogério (um livro de poesia coletivo, feito por uma família!). Além de escritores, eles eram professores, advogados ou aposentados, que duramente trabalharam por toda a vida nos mais diversos ofícios. Escreviam não por dinheiro, mas por algo maior. Por fim, após dar um livro meu para o Torero, até ele gentilmente me deu um livro dele de presente. Aliás, Torero ainda é jornalista, roteirista e cineasta.
          Minha palestra foi dura. Sei que às vezes é preciso ouvir certas coisas, mas aquele não era o momento. Nem todos ali queriam ser escritores que vivem exclusivamente da escrita, como eu. Muitos só queriam escrever. E aí é que me toquei. Produção literária não é publicação e impressão de livro. Errei feio. Produção literária é escrever belos textos e não a produção de um produto para venda. Aos participantes, peço desculpas pelo meu grande equívoco. 
          Voltando ao peso dos meus livros carregados para a ETEC de Pindamonhangaba, todos os exemplares foram comprados pelos alunos, professores e funcionários, sendo o dinheiro arrecadado integralmente destinado ao GRENDACC (Grupo em Defesa da Criança com Câncer). Os livros eram da primeira tiragem, que havia sido financiada pela Secretaria de Cultura de Jundiaí, em um projeto parcialmente destinado para isso. Então, não ganhei nada com aquela venda? Ganhei sim, imensamente. Afinal, quando fazemos nosso trabalho com amor, recebemos amor. Fui lindamente recebido por todos da escola, sentindo um carinho que fez com que todo o peso do mundo não significasse nada. Eis a leveza do sonho realizado. E assim também foi em minha palestra durante a Semana de Cultura e Línguas Estrangeiras, promovida pelo Centro Municipal de Línguas em Jundiaí, quando além do carinho, ganhei uma caneca de presente, na qual sorvo um revigorante chocolate enquanto escrevo este relato.


          Assim como há médicos que são voluntários por um período e nada ganham, por amor à medicina... Assim como há pessoas que doam um pouco do seu trabalho e nada recebem por suas causas beneficentes, assim também podem ser os escritores, que não precisam apenas de dinheiro para executarem o seu ofício literário. Afinal, ser escritor não é aquele que vive com o que ganha pela sua escrita, como eu pensava. O dinheiro pode vir da venda dos livros ou de qualquer outra coisa. Enfim, aprendi que ser escritor não é viver de literatura, mas viver por amor a ela.  





Como escreveu o grande A. A. de Assis, Patrono da FLIM:

“Tem muito mais graça a vida
quando a gente tem com quem
repartir bem repartida
a graça que a vida tem”.



Muito obrigado a todos da Escola ETEC João Gomes de Araújo, do Centro de Línguas Antonio Houaiss, da Secretaria de Cultura e Prefeitura de Maringá, da Academia de Letras de Maringá, enfim, obrigado a todos pelo carinho! Encontros como esses desta semana é que fazem valer a pena a vida de um escritor.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Minha avó mentiu pra mim

Minha avó mentiu pra mim. Nunca imaginei que ela pudesse fazer isso, mas em uma quarta-feira, ela me enganou. Não apenas a mim, mas a toda a família. Ela disse que viveria até os cem anos. Ela mentiu. Aos 91, ela serenamente fechou os olhos e não mais os abriu.
Minha irmã ligou, disse que nossa batchan havia morrido. Não acreditei. Imediatamente, fui até a casa da minha avó. Fui até lá, na esperança de vê-la sentada em sua poltrona, com as suas contas de oração nas mãos, deslizando os dedos, que tantas vidas haviam trazido a este mundo. E falo em vida, não apenas da minha e de todos os filhos, netos e bisnetos, mas também a vida de tanta gente que ela trouxe como parteira de uma cidadezinha do interior. 
Aquelas mesmas mãos, firmes no caratê, suaves ao piano. Aquelas mesmas mãos que curavam o corpo na precisa quiropraxia. Aquelas mesmas mãos em prece que curavam a alma em sua fé, não apenas em uma religião, mas em um Deus que estava em todas as coisas, até em um copo quebrado em seu altar. Buda, Nossa Senhora de Aparecida, Jesus Cristo, um livro da Seicho-no-iê, santinhos. “Tudo bom”, minha avó dizia. E agradecia. Agradecia pelo frescor da chuva, pelo calor do sol, pela melancolia dos dias nublados, pela alegria dos dias ensolarados. Tudo bom...
Não podia ser verdade que ela havia ido assim, aos 91 anos. Faltavam ainda nove anos, nos quais eu poderia me sentar ao seu lado e escrever um livro sobre a sua vida, que lançaria quando ela completasse cem anos.
Mas não foi assim...
Para tentar antecipar essa alegria, até dediquei a ela o meu primeiro livro infantil, O pequeno samurai, que eu havia escrito em 2009, há cinco anos. Em 2010, esse livro conquistou o meu primeiro contrato de verdade com uma grande editora. Esperei pacientemente (nem tanto), até que, finalmente, o livro ficou pronto há apenas algumas semanas. A minha editora enviou o primeiro exemplar. Emocionado, imaginei a minha avó lendo a dedicatória:





Ensaiei como mostraria a dedicatória a ela. Em um lançamento especial? Como seria? Com festa? Onde? Como? Talvez no aniversário de 92 anos de minha avó? Eu queria ter dado o livro quando ela completou 90 anos, mas ele não havia ficado pronto. Tudo bem, eu ainda teria tempo... Finalmente, com o livro em mãos, pensava: “quando terminar de dar aulas na minha oficina literária, pensarei melhor sobre isso”. Mas, exatamente, no último dia de aula, minha avó faleceu...
Fiquei com o livro em minhas mãos, olhando para a dedicatória que minha avó não viu...
Fiquei com o coração apertado, triste com a minha batchan, porque ela havia mentido para mim. Ainda teríamos que ter nove anos, no mínimo, para fazer o lançamento deste e de outros livros e, principalmente, do livro de sua vida. Uma vida de sobrevivente de bombardeio, de alguém que enfrentou os golpes da vida, que cedo perdeu o marido, que criou os filhos com dignidade e amor, que foi imigrante que chega a uma terra desconhecida, sabendo apenas uma palavra que usou pela vida inteira: obrigada.
Ao chegar à casa da minha avó, ela não estava mais lá, em sua poltrona. As contas de oração estavam sobre a mesa, silenciosas. Minhas lágrimas foram seguidas por um sorriso. Minha tia me relembrou que aquelas contas, que passaram diariamente pelas mãos de minha avó, em sua reza diária de agradecimento, haviam sido trazidas por mim, na volta de minha primeira viagem ao Japão. Como eu poderia ter me esquecido daquilo? E senti uma gratidão imensa no peito, por saber que ela as havia acariciado por quinze anos. Senti uma alegria por saber que, de alguma forma, eu havia ficado perto dela durante todo esse tempo. Mesmo quando eu estava morando em outros países ou viajando pelo mundo, eu estava perto dela...
As contas de oração estavam sobre a mesa, não mais nas mãos de minha batchan. Reencontrei-a apenas com as mãos entrelaçadas, frias. Lembro-me das últimas palavras que minha avó havia me dito, em japonês, quando ela segurou em minha mão: “suas mãos são tão quentes, ah, gostoso, né”. Coloquei minhas mãos sobre as da minha avó, tentando aquecê-las. Mas, desta vez, não consegui...
Então, coloquei o livro, dedicatória e tudo, por debaixo das mãos de minha avó. E eu sei que ela não irá ler aquele livro. Sei disso, porque ela não aprendeu a ler muito bem o português. Mas ela reconhecerá as letras que desenham o seu nome, sobre pétalas de cerejeira. E sei que ela irá sorrir, como sempre...
Minha avó mentiu pra mim. Ela disse que viveria até os cem anos. Mas não posso ficar magoado por isso. Devo me alegrar, pois a verdade é que ela viverá muito mais. Ela viverá pra sempre, enquanto o meu e o “pra sempre” de todas as pessoas que ela trouxe à vida durarem...

Arigatô, batchan! Arigatô... para sempre.


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Causos e lendas do Porto Novo

Tive o prazer de escrever um dos textos de apresentação do livro "Causos e Lendas do Porto Novo", uma iniciativa da Fundacc por meio da APMC, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Caraguatatuba. O lançamento será amanhã (22/08/2014), a partir das 10:30, na Praça Dr. Cândido Motta. Será uma grande festa aberta ao público!

Eis o livro:


Prazer, sou “Causos e Lendas do Porto Novo”.


            Apresentar um livro como este não se faz apenas com palavras, mas vou tentar. Queria mesmo é oferecer uma caneca de bom café e um dedo de prosa na beira do rio, que assim é que se apresenta um bom livro de causos e lendas. E teria que ser no Porto Novo!
            Eu mesmo já morei por essas bandas, e comecei a escrever meus próprios causos por aí. Tive o prazer de declamar poesia com o Maurício Poeta na praça Cândido Mota e de me emocionar com a performance do Caddu no Teatro Mário Covas. Acho que eles não se lembram, talvez até pensem que isso é lenda, mas é verdade. Agora, nos reencontramos nestas páginas: eles contando bons causos do nosso povo e eu só abrindo os olhos com mais curiosidade, como deve ser um bom encontro caiçara.
            Também já tive a felicidade de contar meus causos para as crianças e jovens de Caraguá, nas escolas e durante a grande festa da 2ª Feira Literária de Caraguatatuba (FLIC). Não há momento mais mágico do que este, em que as palavras se libertam e viram histórias. Nunca me esquecerei desta emoção! Aproveitando, vou até contar um causo de assombração.
            Certa vez, quando viajava a pé por Minas, acabei dormindo em uma capelinha na beira da estrada de terra. Já era madrugada quando ouvi passos. Seria assombração? Acordei, ainda meio enrolado no saco de dormir, e fui dar uma espiada. A porta da capelinha rangeu e eu vi, lá fora, um bêbado. Cadê a assombração? A assombração era eu, porque o bêbado pensou que eu fosse alma penada, fez o sinal da cruz e jurou por Nossa Senhora que nunca mais ia beber. Saiu correndo estrada afora, parecia até sóbrio! Com certeza, no dia seguinte, deve ter contado pra todo mundo sobre a “assombração da capelinha”.    
            Contei este causo pra mostrar que, quem sabe, nossa vida real não vira uma boa lenda? Afinal, toda lenda tem um fundo de verdade e toda realidade, um pouco de mentira, só pra vida continuar essa beleza que é... E vamos aos causos e lendas do Porto Novo, que é por isso que estamos aqui!



Mais informações sobre o livro, AQUI ou no site da FUNDACC.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Minicontos

Estou muito feliz com o resultado do I Concurso de Minicontos promovido pela Secretaria de Cultura de Jundiaí, divulgado na Imprensa Oficial do dia 13 de Agosto de 2014. Mais legal do que ser classificado é ver o nome do pessoal da minha 1ª Oficina de Criação Literária entre os premiados, cujos trabalhos serão publicados em livro! Parabéns! Estou muito orgulhoso de todos vocês!

Autor

Título do Miniconto
André Telucazu Kondo
Flores

Bárbara Nóbrega Mangieri
Sinal Vermelho

Carla Mirela Cavallini
Fósseis de Dragão

Mayara Amaral Pazeto
Parque de Dinossauros

Nitiayne Mille Takemoto
Só no Chat

Rogério Heitor Carraro

Recreio
Sabrina Fagundes

O Destino da Rosa
Silvana Helena da Silva Felipe
Eu vi...







PS: Nem todos os alunos participaram do concurso, mas todos, classificados para o livro ou não, sem exceção, publicaram suas letras no meu coração! Obrigado por essa alegria!

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Olhar

            

                   Fui ministrar um workshop de Criação Literária, na Biblioteca de Bragança Paulista, durante o 13º Festival de Inverno. Pedi ao motorista do ônibus para que ele me avisasse quando eu deveria descer. Sentei-me logo atrás dele. Depois de um bom tempo, perguntei:
           — Já estamos chegando?
            O motorista calmamente respondeu:
           — O seu ponto já passou. Tá lá atrás agora. Já estamos quase no ponto final.
            — Puxa, por que o senhor não me avisou?
            O motorista, sem sequer olhar pra trás:
            — Ué? Você não me avisou que estávamos próximos. Agora já era.
            Avisá-lo? Não seria o contrário? Agradeci, dei o sinal e desci, longe da biblioteca. Estava chateado, não por ter que andar várias quadras, pois eu gosto de caminhar. Fiquei chateado com o descaso do motorista. Ele não estava nem aí para mim. Mas também não foi só por isso. Antes, uma pessoa visivelmente portadora de deficiência pediu para embarcar, dizendo que havia esquecido a carteirinha. O motorista disse que ela podia embarcar, sim. Era só pagar.
            — Mas...
            Ele a ignorou até que ela pagasse. Regras são regras, mas não custa mostrar alguma empatia.
            Outra pessoa pediu ao motorista que abrisse a porta dos fundos, para acomodar uma grande caixa antes de embarcar. O motorista a ignorou, solenemente, enquanto cobrava de outros passageiros. Alguém, incomodado com o descaso, pediu:
            — Seu motorista, abre lá a porta pro moço colocar o pacote dele. Tá frio lá fora.
            O motorista não esboçou reação. Não abriu a porta e não estava mesmo nem aí pra ninguém. Era como se ele não nos visse.
            Estava ainda chateado com isso, quando pedi informação para chegar à biblioteca, a uma mulher parada no ponto:
            — Você é o André Kondo?
            “Puxa, será que eu já sou um escritor famoso?” – pensei. Que nada, a mulher, que se chamava Ana, coincidentemente estava indo para o meu workshop.
            Na biblioteca fui muito bem recebido. Falei sobre como eu havia viajado o mundo para buscar inspiração para me tornar escritor, e de como havia falhado. Somente em outra viagem, quando estava desiludido com o meu sonho de me tornar escritor, é que encontrei a inspiração necessária. E foi exatamente com as pessoas invisíveis que eu aprendi a ver. Quando convivi com mendigos, catadores de latinhas, pessoas que vivem à margem da sociedade, é que percebi que eu também não enxergava as pessoas, antes de me tornar uma pessoa invisível também. Não consegui escrever antes, porque eu estava escrevendo sobre os lugares que eu havia visto e não sobre o mais importante: as pessoas que estavam nesses lugares. Afinal, escrever, acima de tudo, é enxergar as pessoas... 
            Após falar sobre isso, uma garota que estava na biblioteca me entregou um presente. Ela havia me desenhado. E se ela me desenhou, é porque ela me enxergou! Quer presente melhor do que esse?


            O workshop continuou e os textos que foram sendo criados me deram esperança e alegria. A visão de mundo de cada um dos participantes me encheu os olhos. Ali estavam pessoas de vistas bem abertas! Que viam! Enxergavam a beleza da alma das pessoas. 
           Ao final do workshop, minha amiga Henriette e várias pessoas me ofereceram carona. Gentilmente, a Lyrss me levou, perguntando o horário do meu ônibus. Respondi que não tinha pressa, pois ele sairia dali a duas horas. Ana, a mesma mulher que encontrei no início desta história, nos convidou:
            — Eu moro perto da rodoviária. Que tal tomamos um café juntos. O que acham?
            Lógico que aceitei. Conversamos sobre várias coisas e eu fiquei impressionado com a visão da Ana. Visão, de fato. Ela trabalhou em uma ONG, desenvolvendo um trabalho com detentos. Cuidou de uma biblioteca penitenciária, desenvolveu um curso de costura para eles trabalharem. Mas, acima de tudo, Ana via os detentos. Falava com eles, aconselhava. Muitos mudaram de vida após saírem da cadeia. Ana ensinou-lhes um ofício, apresentou-lhes obras literárias, abriu-lhes os olhos para um novo mundo...
              Após o delicioso café, fui à rodoviária. Um mendigo, com a voz massacrada, um fio de lamento, me pediu dinheiro enquanto eu estava no guichê de passagens. Eu só o percebi quando ele se afastou de mim. Terminei minha transação no guichê, quando olhei para trás, ele não estava mais lá. Procurei-o com olhos ávidos, mas nada.
            Quando meu ônibus chegou, a voz bem baixa:
            — O senhor me ajuda?
            Peguei o trocado que tinha no bolso e o entreguei. O mendigo me disse:
            — Meu filho, onde quer que você esteja, eu vou estar sempre te desejando o melhor nessa vida. 
            Ao invés de dizer que Deus olharia por mim, ele me ofereceu o próprio olhar. Olhei pra ele se afastando, passos lentos. Embarquei no ônibus, desejando o mesmo a ele. Que as pessoas o enxergassem. E que todas as pessoas se enxerguem. E que sorriam com um olhar de cumplicidade.





Muito obrigado a todos da ASES, da Secretaria de Cultura e da Biblioteca Municipal de Bragança Paulista, pelo convite e pela belíssima tarde! Obrigado a todos os escritores participantes. Obrigado, querida Henriette, Regina, Bruno, André, Jade, Maria Cecília, Ana Carolina, Daniel, Fábio, Myrthes, Maria Ignez, Lyrss, Marcela, Ana Maria, Bruna, Apparecida, Cainã, Camila Porfírio e Camila Scopeta... E também, Maria Cristina, que passou por lá, a bibliotecária Ligia, Daniela Verde, Giliane, Paulinha. Obrigado, Rafaela, pelo belo desenho (você conseguiu me deixar bonito!). Que delícia de café, Ana. Obrigado! Esqueci de pedir a receita de como você prepara esse café cremoso. Obrigado ao motorista do ônibus, que não me viu, mas me levou a um lugar em que todos os olhares inspiram carinho. Obrigado, Bragança Paulista!